Queijo serrano,
produzido com a
mesma receita
há quase 200
anos, conquista o
reconhecimento
e se consagra
como um símbolo
dos campos de cima
da serra
E
m meio às imensas
araucárias que pare-
cem candelabros a or-
namentar os intermi-
náveis campos esverdeados da
região mais fria do Rio Grande
do Sul, algumas famílias atu-
am como guardiãs de um dos
tesouros gastronômicos mais
antigos do Rio Grande do Sul:
o queijo serrano. De sabor úni-
co, o produto tem característi-
cas ímpares de paladar, aroma
e textura que só são possíveis
graças a um conjunto de fato-
res, cuja combinação acontece
apenas no clima frio e inóspito
dos Campos de Cima da Serra.
A família Lopes é uma des-
tas estirpes que carregam con-
sigo esta tradição. Pai, mãe, fi-
lha, filho, nora e neto vivem na
localidade de Chapadão, dis-
tante cerca de 30 quilômetros
da área urbana de São José dos
Ausentes. O isolamento geo-
gráfico é quase total e faz com
que o clã mantenha os mesmos
hábitos produtivos há quase
dois séculos.
O zootecnista da Emater-
-RS/Ascar, Jaime Ries, explica
que o queijo serrano é elabora-
do com leite de vacas de corte,
alimentadas compastos nativos
que garantem propriedades es-
pecíficas no produto final, uma
vez que a alimentação do gado
Sabor de
tradição
influencia diretamente nas ca-
racterísticas do leite. Segundo
ele, o gado de corte produz me-
nos leite que raças como jersey
e holandês, porém o produto é
mais gorduroso e consistente, o
que eleva a qualidade do quei-
jo. “Quase sempre a produção
acontece em pequena escala,
principalmente por pecuaristas
familiares, que também preser-
vam o ambiente, a beleza das
paisagens e a cultura do ho-
mem serrano”, comenta.
O exemplo dos Lopes ilustra
bem esta questão. Seu Antônio,
o patriarca, ainda mantém em
estado impecável a queijaria da
família como se estivessem no
século XIX. Nela atuam ele e
a esposa, Maria. Na época do
verão, alcançam a marca de 5
quilos de queijo por dia. No
inverno, cai pela metade. “Os
turistas que nos visitam se en-
cantam. Acham lindo. A gente
não produz só o queijo. Pro-
pagamos a tradição e a nossa
história em conjunto. É uma
responsabilidade”, diz ele, or-
gulhoso da estrutura totalmen-
te emmadeira erguida junto ao
ambiente de ordenha. Naquele
espaço, o ritual que acom-
panha a linhagem dos Lopes
na queijaria é praticamente o
mesmo desde que o primeiro
deles chegou à região.
É por todo este contexto que
o Queijo Artesanal Serrano já
está com o processo de deno-
minação de origem encami-
nhado, com homologação pre-
vista para este ano. Para isto,
foi feito um imenso trabalho
capitaneado pela EmaterRS/
Ascar e pela Epagri/SC. Uma
das grandes vitórias do setor
foi a homologação de uma le-
gislação própria que trata da
produção e da comercialização
dentro de parâmetros específi-
cos para o produto.
“Com essa garantia, projeta-
mos para 2017 a formalização
de 50 microqueijarias, a serem
legalizadas junto ao Serviço de
Inspeção dos 16 municípios
gaúchos que compõem a Re-
gião Delimitada dos Campos
de Cima da Serra para Queijo
Artesanal Serrano, que abran-
ge cerca de 1.500 produtores”,
explica o zootecnista e assis-
tente técnico estadual em Lei-
te da Emater/RS-Ascar, Jaime
Ries. Com isto, famílias pro-
dutoras como os Lopes já estão
construindo novas queijarias
em alvenaria para atender às
especificações sanitárias exigi-
das pela nova legislação.
Seu Antonio e dona Maria Lopes
mantêm na área rural de São
José dos Ausentes uma queijaria
com praticamente as mesmas
características do século XIX,
enaltecendo a tradição familiar
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JORNAL DA
EMATER
MARÇO de 2017