Jornal da Emater - Edição 3 - page 10

C
omo numa empresa, toda segun-
da-feira pela manhã os Ahlert se
reúnem para programar as ativi-
dades da semana na propriedade
de 13 hectares. Por volta das 8 horas, após a
ordenha, enquanto tomam café, organizam
o cronograma de tarefas até a sexta-feira se-
guinte. De um lado da mesa, os pais, Kurt e
Ledi; do outro, o filho Fábio e a nora Marta.
Assim, em conjunto, os quatro tocam o mi-
nifúndio em Colônia Cash, no interior da
cidade de Condor, dividindo tanto as respon-
sabilidades como os ganhos oriundos das 20
vacas leiteiras e do cultivo do milho.
Esta atmosfera de cumplicidade do quar-
teto é considerada pelos especialistas como
um dos ingredientes principais para que os
filhos queiram ficar no campo e assumir as
propriedades com agricultura familiar. Mo-
rando lado a lado, nora e sogra se revezam
na confecção do almoço. Cada semana uma
cozinha. Da propriedade, eles retiram cerca
de 95% dos alimentos que consomem.
Quando há o interesse dos jovens em per-
manecer no campo, é fundamental que haja
preparação deles para assumir os negócios
da família. “Muitos saem para estudar e vol-
tam para casa, colocando em prática aquilo
que aprenderam nas suas formações técnicas
e acadêmicas, tornando as atividades mais
valorizadas, gerando mais qualidade de vida
no meio rural”, argumenta Clarice Vaz Em-
mel Böck, responsável pela área de juventude
rural, gênero e educação ambiental/educação
do campo da Emater-RS/Ascar.
É exatamente o que fazem os Ahlert.
Todos os cursos de especialização e de me-
lhoramento de gado leiteiro são feitos pelo
casal Fábio e Marta. O aprendizado é discu-
tido com os pais. É quando entra em cena
o pragmatismo do patriarca Kurt. Ele faz
questão que Fábio seja o protagonista nos
rumos que a propriedade vai tomar. A deci-
são de investir em melhoramento genético
do gado é um exemplo desta relação. “Aqui,
um sempre escuta a opinião do outro. O
futuro disso aqui está nas mãos do Fábio,
e eu preciso permitir que ele tome as deci-
sões. Então, a gente está fazendo isso que
ele aprendeu nos cursos. E o resultado está
aparecendo”, exemplifica Kurt.
O clima de amizade e de confiança faci-
lita os procedimentos. Para a extensionista
da Emater-RS/Ascar, Roseli Steinfuss, que
acompanha a rotina da família, a forma
transparente como os assuntos são debatidos
dentro da propriedade é um dos segredos do
sucesso. “Os jovens querem ficar no interior.
Quando preparamos eventos ligados a eles, o
tema da sucessão familiar sempre é dos mais
solicitados. E a nós cabe este papel de permi-
tir aos jovens que tenham papel de destaque
na propriedade”, comenta.
O exemplo da
família Ahlert, de
Condor, mostra que
a sucessão familiar
no ambiente rural
tem mais chance de
dar certo quando o
assunto é tratado
com naturalidade
e companheirismo
Houve um tempo em que a sucessão dentro das propriedades rurais
acontecia de forma natural. O grande número de filhos de cada casal obri-
gava muitos jovens a seguirem para as cidades, em busca de trabalho, em-
prego e estudo. Nos minifúndios, junto ao pai e à mãe, ficavam um ou dois,
geralmente os mais velhos. Primeiro, auxiliavam; depois, assumiam o co-
mando do lote de terra.
Mas desde a década de 1980, com o crescimento das cidades, o avanço
das tecnologias e a independência feminina, centenas de milhares de famí-
lias passaram a ver com incerteza o futuro dentro de lavouras, plantações,
pomares e rebanhos. Em alguns casos, nenhum dos filhos tem interesse em
continuar na propriedade. Quando isto acontece, as opções são escassas.
Geralmente, a área é arrendada ou vendida a algum vizinho ou parente.
Segundo a responsável pela área de juventude rural, gênero e educa-
ção ambiental/educação do campo da Emater-RS/Ascar, Clarice Vaz Emmel
Böck, a glamourização das áreas urbanas, a disputa de poder (hierarquia
doméstica), a falta de educação adequada à realidade rural e a falta de po-
líticas públicas que incentivem e orientem jovens e adultos são alguns dos
problemas para a transição nas propriedades. “A falta de diálogo entre pais
e filhos(as), a desvalorização da atividade pelos pais e a falta de autonomia
da juventude, tanto na tomada de decisões quanto na distribuição da renda,
são fatores que realmente pesam e atrapalham ou até inviabilizam qualquer
sucessão”, sentencia.
MUDANÇA NO MODELO DE SUCESSÃO
Quais os maiores
obstáculos para a
sucessão rural?
n
Redução da taxa de natalidade;
n
Valorização do urbano (glamourização);
n
Disputa por poder (hierarquia doméstica);
n
Falta de participação na gestão da
unidade de produção;
n
Educação não adequada à realidade rural;
n
Falta de políticas públicas que incentivem
e orientem jovens e adultos,
n
Restrição no uso de tecnologias;
n
Busca por independência financeira pelos jovens;
n
Falta de diálogo entre pais e filhos(as);
n
Desvalorização da atividade pelos pais;
n
Falta de autonomia da juventude na tomada
de decisões e na distribuição da renda.
Seu Kurt Ahlert e o filho Fábio
unem esforços para garantir
qualidade de vida à família,
assegurando também a
continuidade dos negócios
na propriedade rural.
Kurt e a esposa Ledi, realizados na agricultura
JORNAL DA
EMATER
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