Jornal Emater Edição 6 - page 18

É depois de um lugar chamado
Solidão que o pescador Miguel
mora só. Lá ele vive junto ao oceano
e longe de tudo. Tão longe que o
conforto demorou praticamente
três séculos para encontrar esta
faixa de areia no interior do
município de Mostardas. A história
de Miguel é tramada com a de
outros personagens litorâneos que
viram a vida mudar graças aos
céus, literalmente. Conheça estas
quatro histórias de quem recebe
do sol a energia necessária
para sobreviver do mar.
JianCostatem20anos.Cresceunumpovo-
ado remoto à beira da praia, onde hoje vivem
apenas duas famílias. Entre as redes de pesca
eaescola, aguardavaansiosopela chegadada
noite.Eraquandoafamílialigavaatelevisãopor
cercadeduashoras,tempodeduraçãodasba-
terias automotivas, recarregadas diariamente
no Balneário Mostardense, distante em torno
de 10 quilômetros. A geladeira era aberta rara-
mente,jáquefuncionavaàgás,carodemais.
A rotinapenosa terminouem2014. Aener-
gia solar permitu à família o conforto sempre
sonhado e a Jian a chance de pescar um
futuro diferente do que vislumbrava. Com a
ajuda dos pais, comprou um
computador portátil e passou
a fazer um curso técnico à dis-
tância. Sem internet, ia todos
os dias ia até o Balneário Mos-
tardense, onde havia conexão.
Num computador emprestado,
acessava as aulas. Então salva-
vaasliçõesnum
pendrive
efazia
osexercíciosemcasa.
Foi assimque se tornou téc-
nico em administração e hoje
trabalha na empresa que ins-
talou as placas fotovotaicas na
residência de seus pais. O em-
presário percebera o interesse
de Jian pelo tema e ofereceu a
vaga, logo aceita. Morando na
área urbana de Mostardas, o
garotoquecresceusemenergia
elétrica em casa já decidiu seu
futuro. “Quero ser engenheiro
eletricista”,diz.
Foi desde sempre que o pescador Miguel
Matoshabituou-seadormir antesdeosol dei-
tar-se no horizonte. A rotina nunca foi opção,
mas uma necessidade. Do lado de dentro da
casa,erguidacomtábuasdepinusesemener-
gia elétrica, o sono era o melhor antídoto ao
tédio e também às despesas. Deixar o "liqui-
nho" aceso por muitas horas tornava-se caro
demais para o pescador. As velas até cabiam
como alternativa, mas nem sempre se encai-
xavamno orçamento. E assim, Miguel acostu-
mou-se desde sempre a adormecer antes da
lua e acordar e abrir os olhos bem antes de o
soldespertar,porvoltade4damadrugada.
Foi só em outubro de 2016 que este ritual
se quebrou. A chegada da energia fotovoltai-
ca foi uma espécie de invenção da roda para
o senhor de 58 anos, que não sabe ler nem
escrever,mas que ainda sorri diantedamagia
decolocarodedono interruptor e ter cozinha,
sala, banhei-
ro e quarto
iluminados.
Agora,
du-
rante a noite fica consertando redes, prepa-
rando as tarrafas, escutando rádio oumesmo
vendo televisão, que praticamente só é ligada
quandorecebeavisitadosnetos.
Emdiasdemargeneroso,comabundância
de pescado, ele não precisa mais se deslocar
às pressas por seis quilômetros até o vilarejo
deSolidão, juntoao farol homônimo. Aexem-
plodoqueocorreucomcolegasdeprofissão,a
possibilidadedearmazenaroprodutofoimais
que uma conquista. Foi uma benção, assim
como o fim dos banhos de água gelada, va-
lendo-sedecanecaebacia, empleno inverno.
"Melhorou demais. Pela primeira vez olharam
paraagente",dizohomemqueagorasobrevi-
vedasondas tantodomarquantodosol.
Ondas domar e do sol
energiasolar
Luzalémda
O estudante iluminado
textoe fotos: cássiofilter
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